Uh, Uh... a manhã na cama à espera que a loja das bicicletas abra. Um buraco negro com dois velhotes que arranjam travões, pneus furados e outras maleitas dos nossos fiéis amigos de duas rodas.
Nesta terra é-se multado por não ter luzes nos velocípedes... Aconteceu-me já mais do que uma vez. Odeio. Odeio polícias. Especialmente novinhos e nervosos, que mal falam inglês e que acham que multar ciclistas sem luzes é um acto heróico, útil à sociedade e que contribui para um mundo melhor. Fico sempre nervosa quando vejo um polícia, ou um
pica no comboio, ou um empregado fardado, no cinema ou no café. Há qualquer coisa de profundamente meliante em mim. Estou sempre em falta. E tenho laivos de verdadeira (e inexplicável) rebeldia quando um polícia me quer multar. Como da última vez, por causa das luzes.
Quando acabou de escrevinhar os meus dados no seu livrinho de multas (o código postal estava errado, por causa desta mania germânica idiota de trocar o algarismo das dezenas pelo das unidades... Claro que não o corrigi.), o senhor polícia perguntou-me ainda:
-
You don't have to answer, but why don't you have lights on your bicycle?Um rasgo de incredulidade e sede de sangue percorreu-me a mente. Nesta terra multi-racial e multi-cultural, em que senhoras e meninas se tranformam em
barbapapas antes de sair de casa, entre
djellabas e véus, festivais indhus enchem as ruas, e hare krishnas tocam os seus tambores em mentecapta alegria por entre os chungas da Kalverstraat ao sábado à tarde, será que poderia responder:
-
Sorry officer, it's against my religion. According to our rules, we cannot produce any kind of light with our bodies.Será que dava??
Mordi a língua três vezes, e apontei carneiramente para o dínamo desligado. "
It's broken..."
Depois disto tudo, ainda teve a lata de me dizer:
-
You'll have to walk now.
Olhei para ele, sangue, sangue, pediam os meus olhos:
-
From here all the way to Admiraal de Ruyterweg? - era apenas uma horita a andar, coisa pouca...
Ele diz que sim com a cabeça.
-
Of course, don't worry. - respondi, o carneiro já a rebentar pelas costuras da paciência, os dentes do lobo a salivar.
Senti-me ridícula, idiota, patética, a arrastar a minha bicicleta até onde ele já me não podia ver. É claro que o resto do caminho vim a pedalar, mas ainda fula, sem encontrar bastantes palavras ou músicas insultuosas para cantar aos altos berros.
A verdade, miserável verdadinha, é que puz a puta da bicicleta a arranjar. E a esta hora, já tenho luzes. Não é o frio e a neve que civilizam nos paízes nórdicos (tio Raúl!), é a repressão, o controle, a obrigação em cumprir a lei. São os desgraçados dos polícias estagiários, ainda com dentes de leite, a pararem o pacato cidadão às nove da noite e a multá-lo, quando ele se
porta mal. Está explicado o mito civilazicional.