Friday, November 25, 2005

Este rapazinho persegue-me


Em cada esquina, por entre as folhas molhadas e as saraivadas de granizo, este rapazinho persegue-me. Umas vezes vem anunciado o que é: uma exposição de fotografia no Stedelijk Museum, outras vezes é ele só, a olhar de soslaio, para mim. Para mim especialmente, sei-o bem.
À conta deste rapazinho, que cobre tudo o que é parede em Amsterdão, já tive que explicar a uma quantidade de gente o que são forcados, com encenação mímica e tudo, mãos na cintura: "Eh touro, eh touro!"

Nunca fui muito de touradas. Juntamente com o Fado, Futebol e Fátima, foi coisa que não bebi no leite maternal da minha família progressista e dada a esquerdices. Mas há qualquer coisa no olhar deste rapazinho que me fala muito de perto. Se calhar é do exílio, da distância, que tende a romantizar tudo. Desta necessidade, orgulho pateta, em sentir que Portugal está aqui, ao alcance da minha mão enluvada.

Se calhar é só porque ele é muito bonito. O sangue na cara, a jaqueta rasgada, os olhos verdes/castanhos: lembram-me outros homens e outros tempos. Bonito de uma forma familiar. Uma beleza de entranhas, que sinto mais do que vejo.

Ou então é porque sei que, nesta cidade castanha e fria, só muito poucas pessoas podem como eu pedir-lhe a pele emprestada e ver num segundo
a besta furiosa a galope
a respiração suspensa
a plena praça ensolarada.

Friday, November 04, 2005

Norte e Sul


Uh, Uh... a manhã na cama à espera que a loja das bicicletas abra. Um buraco negro com dois velhotes que arranjam travões, pneus furados e outras maleitas dos nossos fiéis amigos de duas rodas.
Nesta terra é-se multado por não ter luzes nos velocípedes... Aconteceu-me já mais do que uma vez. Odeio. Odeio polícias. Especialmente novinhos e nervosos, que mal falam inglês e que acham que multar ciclistas sem luzes é um acto heróico, útil à sociedade e que contribui para um mundo melhor. Fico sempre nervosa quando vejo um polícia, ou um pica no comboio, ou um empregado fardado, no cinema ou no café. Há qualquer coisa de profundamente meliante em mim. Estou sempre em falta. E tenho laivos de verdadeira (e inexplicável) rebeldia quando um polícia me quer multar. Como da última vez, por causa das luzes.

Quando acabou de escrevinhar os meus dados no seu livrinho de multas (o código postal estava errado, por causa desta mania germânica idiota de trocar o algarismo das dezenas pelo das unidades... Claro que não o corrigi.), o senhor polícia perguntou-me ainda:
- You don't have to answer, but why don't you have lights on your bicycle?
Um rasgo de incredulidade e sede de sangue percorreu-me a mente. Nesta terra multi-racial e multi-cultural, em que senhoras e meninas se tranformam em barbapapas antes de sair de casa, entre djellabas e véus, festivais indhus enchem as ruas, e hare krishnas tocam os seus tambores em mentecapta alegria por entre os chungas da Kalverstraat ao sábado à tarde, será que poderia responder:
- Sorry officer, it's against my religion. According to our rules, we cannot produce any kind of light with our bodies.
Será que dava??
Mordi a língua três vezes, e apontei carneiramente para o dínamo desligado. "It's broken..."
Depois disto tudo, ainda teve a lata de me dizer:
- You'll have to walk now.
Olhei para ele, sangue, sangue, pediam os meus olhos:
- From here all the way to Admiraal de Ruyterweg? - era apenas uma horita a andar, coisa pouca...
Ele diz que sim com a cabeça.
- Of course, don't worry. - respondi, o carneiro já a rebentar pelas costuras da paciência, os dentes do lobo a salivar.

Senti-me ridícula, idiota, patética, a arrastar a minha bicicleta até onde ele já me não podia ver. É claro que o resto do caminho vim a pedalar, mas ainda fula, sem encontrar bastantes palavras ou músicas insultuosas para cantar aos altos berros.

A verdade, miserável verdadinha, é que puz a puta da bicicleta a arranjar. E a esta hora, já tenho luzes. Não é o frio e a neve que civilizam nos paízes nórdicos (tio Raúl!), é a repressão, o controle, a obrigação em cumprir a lei. São os desgraçados dos polícias estagiários, ainda com dentes de leite, a pararem o pacato cidadão às nove da noite e a multá-lo, quando ele se porta mal. Está explicado o mito civilazicional.

Tuesday, November 01, 2005

Sissy-Boy

Finalmente, tenho umas calças da Sissy-Boy! Sissy-Boy, que quer dizer mais ou menos "Mariquinhas" (como em Mariquinhas-pé-de-salsa, não como em Mariquinhas, bique calade!, dos saudosos "Xailes Negros"...), é uma marca de roupa autóctone, relativamente insípida, mas bem amada entre a juventude bcbg holandesa.

Comprar calças é uma experiência traumática. Tem qualquer coisa a ver com a proporção das minhas pernas, em relação ao volume do meu rabo… Sempre que vou comprar calças, já sei: a cintura vai ficar a nadar, e as baínhas a arrastar! É desesperante.

E isso não melhorou com a vinda para a Holanda. Todas as calças da Mariquinhas que até agora experimentara, tinham o condão de me irritar. Não sei se é por o gosto holandês ser diferente ou o meu corpo fugir à norma neerlandesa, mas as calças que provava chegavam-me quase ao pescoço. E forravam-me de tal maneira que ficava a parecer uma jarra bojuda e ondulante, de ganga.

Estas não. Estas são mesmo fixes. Não interessa se o modelo original era tipo “corsário” e a mim me fiquem pelos tornozelos, um bocadinho como quem vai à maré… Ninguém sabe. Sou uma trend-setter sul-europeia com bué de estilo!

Mas acho que duas semanas non-stop chega. Amanhã tenho que vestir outra coisa…