Tuesday, December 27, 2005

Metáfora

Vi o meu avô na quinta-feira. Pareceu-me subitamente mais pequeno, mais curvado. Nas costas as omoplatas angulosas sobressaem-lhe, por debaixo da pele muito fina, quase a esgaçar.
- Oh avô, estão a crescer-te umas asas!
O meu avô está a transformar-se em anjo, claramente.

Wednesday, December 21, 2005

Hoje: Choco Frito e Ballet

"Restaurante Caracol o Ginja"!
Caracol, o Ginja... fantástico. Numa lista de restaurantes em Setúbal, procuro o Choco Frito. Népia. Nao consta. Trouxas de ovos, sim, e queijo de Azeitão, e outras coisas exóticas, mas nada do Choco Frito, nem do Sr. Josué. Um homem tão grande e nem um linkezito.

Nao sei se é do capacete escuro e pesado que paira hoje sobre Amsterdão, se é de não ter dormido as minhas costumeiras 9 horas pela segunda vez esta semana (crime!), ou se é de ter começado o dia no sofá da Mevrouw Thum, mas os olhos pesam-me, toneladas, e levam o meu cérebro atrás, em direcção ao centro da terra...

Amanhã vou ver o Oceano Atlântico.
Isso e o "Caracol Ginja" dá-me alento para me arrastar daqui para fora. Fazer as malas. Arrastar a Carina e a minha mãe por Schiphol adentro. Ou deixar que elas me arrastem... Como as odaliscas na versão-para-pinipons do Quebra-Nozes de ontem à noite.

- Ah, aha, a maravilha do ballet! As meninas sincronizadas em pontas, os saltos e as piruetas! Os flocos de neve e o Rei dos Ratos! Os vestidos e as luzes, as pernas e os braços e as caras! Todas nós somos aquela diáfana criatura de tutu branco enlaçada pelo príncipe, num vôo picado por sobre a orquestra! Somos pois.

Friday, December 09, 2005

Santana do Mato 1977

“Uma mulher ofereceu-se para matar e cozinhar uma galinha para mim. Eu não queria. Ao princípio nem acreditava que ela a fosse realmente matar. Depois, enquanto eu estava no outro lado do dormitório a lavar-me com um balde, ela foi matar a galinha. Eu gritei “Não a mates! Não a mates!”, mas ela matou-a e cozinhou-a. No fim, tive que a comer. A acompanhar a galinha, a mulher serviu 'chips'. Segundo ela, era mais prático assim.”

Mãe | Galinha

A minha mãe tem um sonho recorrente. Sonha com uma galinha.
É um cenário de guerra, ou fome. Ela tem uma família para sustentar, muita gente. Nunca há comida suficiente.
Alguém lhe oferece uma galinha, ou encontra-a na rua.
A minha mãe põe a galinha debaixo do braço, e apanha um comboio. Sai sempre na mesma estação, com paineis de azulejos. Vai pela rua de uma cidade grande, as pessoas com fome a passarem por ela, a galinha bem presa debaixo do braço. No caminho, angustia-se a pensar como é que a há-de matar.
Chega a uma mercearia, há duas ou três pessoas à sua frente. Quando o último cliente sai, o merceeiro ausenta-se também. A um canto, vê uma guilhotina de cortar bacalhau e pensa ”É assim. É assim que a posso matar.” Chega-se à guilhotina, e diz à galinha: “Estica o pescoço”. A galinha obedece, e a minha mãe agarra no manípulo com força. Fecha os olhos e puxa.
Nesse momento, acorda. Nunca vê a galinha morta.